A SANTA CEIA E AS CONFISSÕES LUTERANAS
Após este
período de grande debate e controvérsia com Zwinglio, Lutero passa a se dedicar
no ensino dos fiéis, e com isso escreve os dois catecismos, o Maior e o Menor;
neles se encontra a base da doutrina luterana quanto ao Sacramento do Altar.
Em abril de 1529
foi Publicado o Catecismo Maior de Martinho Lutero, dirigido principalmente ao
clero.
Quanto ao valor
do Sacramento, Lutero reafirma a posição de sua Grande Confissão (Que foi
tratada acima):
Ainda que
um patife receba ou distribua o Sacramento, recebe o Sacramento verdadeiro,
isto é, o Corpo e o Sangue de Cristo, tanto quanto o que mais dignamente o
administre. Pois não se funda em santidade de homens, porém na Palavra de Deus.
E assim como nenhum santo na terra, sim, nenhum anjo no céu, do pão e do vinho
pode fazer o corpo e sangue de Cristo, da mesma forma, ninguém pode,
igualmente, alterar ou transformá-lo, posto fosse mal usado. Porque, em razão
da pessoa ou da incredulidade, não se torna falsa a palavra, pela qual veio a
ser Sacramento e foi instituído. Cristo não diz: ‘Se credes ou sois dignos,
tendes o meu corpo e sangue’, mas: ‘Tomai, comei e bebei, isto é o meu corpo e
sangue’. Também: ‘ Fazei isto’. Significa isso: ‘Quer sejas indigno, quer
digno, aqui tens o seu corpo e sangue, em virtude dessas palavras que se juntam
ao pão e o vinho’..[1]
Aqui expressa mais
uma vez que o Sacramento não depende do homem, mas unicamente de Deus, não são
os homens ou a Igreja que dão valor ao Sacramento, mas unicamente a Palavra de
Deus, quebrando a doutrina do sacrifício da igreja medieval.
Quanto ao
proveito do sacramento, Lutero ressalta:
“Isto é o
meu corpo e sangue, dado e derramado por vós, para remissão dos pecados”. Em
poucas palavras, significa isto: Vamos ao Sacramento a fim de receber tal
tesouro... Conseguintemente, é com razão que se chama alimento da alma, que
nutre e fortalece o novo homem... É para isso que é dado o consolo, a fim de
que o coração busque aqui nova força e refrigério, quando sente que a coisa se
lhe vai tornando demasiadamente pesada.[2]
Com estas
palavras Lutero ensina que o grande proveito do benefício é o perdão dos
pecados e o fortalecimento da fé; mas com isso, surge a questão: Todos os
participantes da Ceia recebem estes benefícios prometidos no Sacramento? Todos
são dignos?
O próprio
Lutero, em seu Catecismo Menor, de Maio de 1529, responde a esta questão de
forma simples e direta:
Verdadeiramente
digno e bem preparado é aquele que tem fé nestas palavras: ‘Dado em favor de
vós’ e ‘derramado para remissão dos pecados’. Aquele, porém, que não crê nessas
palavras ou delas duvida é indigno e não está preparado, pois as palavras ‘por
vós’ exigem corações verdadeiramente crentes.[3]
Partindo então,
deste princípio, quem seriam os indignos?
Aos
insolentes e asselvajados cumpre dizer que se abstenham do Sacramento, pois não
estão preparados para receber a remissão dos pecados, já que não a desejam e
não gostam de ser justos. Os outros, entretanto, que não são pessoas rudes e
dissolutas assim e gostariam de ser justas, não devem afastar-se do Sacramento,
muito embora, de resto, sejam débeis e frágeis.[4]
Lutero não
exclui alguém da Ceia por ter cometido alguma falha. Muito pelo contrário, ele
afirma que nem todos que erram em suas vidas devam ser afastados do Sacramento,
mas aqueles que querem continuar vivendo no seu erro e, assim rejeitam as
bênçãos do Sacramento.
Com este
pensamento os Luteranos chegam ao ano de 1530, quando apresentam diante do
imperador Carlos V, a Confissão de Augsburgo, redigida por Felipe Melanchthon,
colaborador de Lutero. Neste documento se encontram bons refúgios sobre o
estudo da Ceia do Senhor e como foi desenvolvida no período da Reforma:
Da Ceia
do Senhor se ensina que o Verdadeiro Corpo e o Verdadeiro Sangue de Cristo
estão verdadeiramente presentes na Ceia sob a espécie do pão e do vinho e são
nela distribuídos e recebidos... O santo sacramento foi instituído não para,
com ele, estabelecer um sacrifício pelo pecado – pois o sacrifício já sucedeu
anteriormente – mas a fim de que, por ele, se nos desperte a Fé e se consolem
as consciências, as quais, pelo Sacramento, percebam que Cristo lhes promete a
Graça e a remissão dos pecados. Razão porque este Sacramento requer Fé, sendo
em vão seu uso sem Fé.[5]
Assim, para uma
proveitosa participação na Mesa do Senhor, a Confissão de Augsburgo atesta para
o fato da importância da preparação para o Sacramento:
E as
pessoas também são instruídas muitas vezes e com o máximo de zelo sobre o Santo
Sacramento, para que foi instituído e como deve ser usado, a saber, a fim de,
com ele, consolar as consciências atemorizadas, através do que o povo é atraído
para a Comunhão e Missa.[6]
Por isso destaca
que “é réu do corpo e do sangue de Cristo quem usar o Sacramento indignamente”[7]; ou seja, apesar de os reformadores e confessores
luteranos entenderem que a Santa Ceia é Evangelho, eles ressaltam a importância
e necessidade da preparação, para que os benefícios do Sacramento sejam
recebidos pelo participante. Além disso, atestam para o fato de que o
participar indignamente do Sacramento faz do participante réu do corpo e sangue
de Cristo.
Para Martinho Lutero, era essencial crer na presença
real de Cristo na Ceia, não sendo recebido somente pela fé, mas pela boca e pela
fé, para que o participante desfrutasse do dom ou benefício e proveito do
Sacramento do Altar, a saber, a remissão dos pecados.[8]
Durante os difíceis
anos de controvérsias doutrinárias dentro do próprio Luteranismo, a Santa Ceia
foi um dos pontos mais debatidos, principalmente por conta de infiltradores
ocultos com conceitos zwinglianos e calvinistas, fazendo com que muitos fiéis
tivessem dúvidas. Assim, podemos destacar Melanchton, que acabou até mesmo
aderindo, em parte, à doutrina simbólica ou espiritual da presença de Cristo na
Ceia. Com isso o Luteranismo entrou em período bastante turbulento em sua
história, por não ter uma unidade confessional, o que por sua vez, fez com que
aumentassem as controvérsias dentro da Igreja da Reforma. Até que se chegou a
um ponto em que os verdadeiros luteranos tiveram de “bater o pé” e buscar uma
forma de restaurar a abalada Igreja Luterana.[9]
Em meio a este contexto,
o desejo de unir os Luteranos em torno de uma confissão comum foi finalmente
concretizado. Assim, com o apoio de muitos príncipes Evangélicos, pastores,
teólogos e professores, foi assinada em 1577 a Fórmula de Concórdia, pondo fim
às controvérsias e se colocando como a resolução final das mesmas e a confissão
de fé dos verdadeiros luteranos.[10]
Quanto ao seu
conteúdo, a Fórmula de Concórdia reafirma as declarações de Fé já expostas nos
escritos de Lutero, como a sua Confissão, os Catecismos e os Artigos de
Esmalcalde, e também a Confissão de Augsburgo e sua Apologia.
Com isto, se
destaca os pontos relacionados ao Sacramento do Altar; seu valor, importância,
significado e proveito:
Cremos,
ensinamos e confessamos que não só os verdadeiros crentes e os dignos recebem o
verdadeiro corpo e verdadeiro sangue de Cristo, mas, também, os indignos e os
incrédulos. Todavia, se não se convertem e não se arrependem, recebem-nos não
para vida e consolo, mas para juízo e condenação. Pois, ainda que rejeitem a Cristo
como Salvador, contudo, têm de admiti-lo, mesmo contra a vontade deles, como
severo juiz, o qual é tão presente para, também, exercer e manifestar o juízo
relativamente aos convivas impenitentes, como está presente para operar vida e
consolo no coração dos crentes verdadeiros e convivas dignos.[11]
Mais uma vez se
afirma que o valor da Santa Ceia não depende da fé humana, de quem recebe ou a
administra, mas unicamente do Evangelho, da Palavra de Deus. Ao mesmo tempo em
que tem esta clareza, também se tem o cuidado com quem participa, visto que o
participar indigno à Ceia do Senhor não traz nenhum proveito e acarreta castigo
ao comungante.
A Fórmula de
Concórdia também ensina que não se deve abusar deste cuidado para com quem
participa, para não correr o risco de se estar excluindo alguém que poderia
estar participando de forma digna da Ceia do Senhor.
Cremos,
ensinamos e confessamos que nenhum crente verdadeiro, enquanto retém a fé viva,
por fraco que seja, recebe a Santa Ceia para juízo. A Santa Ceia foi instituída
especialmente para os cristãos fracos na Fé, contudo, penitentes, para consolo
e fortalecimento de sua débil Fé.[12]
Desta forma, se
percebe que os confessores não tinham a intenção de excluir alguém da Ceia por
causa de algum erro que tenha cometido, a grande preocupação era que o
Sacramento fosse consolo ao que errou, perdão ao pecador penitente e graça ao
cristão.
Por esta razão
afirma quem são os indignos de participar deste Sacramento:
Cremos,
ensinamos e confessamos também que existe apenas uma espécie de convivas
indignos, a saber, os que não creem. A respeito deles está escrito: ‘O que não
crê já está julgado’ (Jo 3. 18). Por uso indigno do Santo Sacramento, esse
juízo cresce, torna-se maior e é agravado (1Co 11. 27 – 29).[13]
Crer que o
Sacramento é Evangelho, e nele se recebe o Corpo e o Sangue de Cristo pela fé e
pela boca sob o pão e o vinho, é o que a Fórmula de Concórdia insiste como
sendo o participar digno. Desta forma, interpretando as palavras de São Paulo aos
Coríntios, “pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para
si”[14] ou seja, crer que no Sacramento, Cristo vem até nós
em carne e sangue realmente.
Desta forma, o
século XVI chega ao fim, e como pôde ser observado neste breve caminhar na
história da Igreja até a Reforma, o Sacramento do Altar sempre foi um tema em discussão.
A forma como se entendia e ensinava a respeito dele influenciava diretamente na
prática e, com isso, quem poderia participar, como deveria ser feito e por qual
motivo alguém poderia ou não participar da Ceia.
Assim, com base
neste relato, o presente estudo apresenta a seguir uma aplicação prática de
como deve ser trabalhada esta questão do cuidado pastoral diante dos
participantes da Ceia, visto que a Palavra de Deus e a história da Igreja
revelam muitos fatores que podem contribuir para uma melhor compreensão do
Sacramento e de como lidar para que na Santa Ceia do Senhor ocorra uma
participação digna e proveitosa dos comungantes.
[1]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580; Traduzido por Aranaldo Schuler. Catecismo Maior de
Martinho Lutero, 1529. p. 487 – 488.
[2] LIVRO DE CONCORDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580; Catecismo Maior de Martinho Lutero, 1529. p. 488 –
489.
[3]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580; Catecismo Menor de Martinho Lutero, 1529. p. 379.
[4]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580; Catecismo Maior de Martinho Lutero, 1529. p. 492.
[5]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja Evangélica Luterana, 1580; Confissão
de Augsburgo, 1530. p. 32, 46.
[6]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja Evangélica Luterana, 1580; Confissão
de Augsburgo, 1530. p. 44 – 45.
[7]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja Evangélica Luterana, 1580.
Confissão de Augsburgo, 1530. p. 45.
[8] ALTHAUS.
Paul. A Teologia de Martinho Lutero.
Traduzido por Horst R. Kuchenbecker. Ed. ULBRA. Canoas, RS. 2008. p. 416 – 419.
[9] Cf. WIETING. Kenneth
W. The Blessings of Weekly Communion.
Concordia Publishing House. St, Louis, MO. 2006. p. 110 – 116.
[10]
HAGGLUND. p. 239.
[11]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580; Fórmula de Concórdia, 1577. p. 521
[12]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580;
Fórmula de Concórdia, 1577. p. 521
[13]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580;
Fórmula de Concórdia, 1577. p. 521
[14] 1Corintios 11.29
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