De acordo com o
estudo da Comissão de Teologia da Igreja Luterana – Sínodo de Missouri, “as
próprias palavras do Senhor, na Instituição da Ceia em Mateus 26.28, indicam
que o principal benefício ou proveito da Eucaristia é o perdão dos pecados”;[1] e este perdão, que provém da Palavra de Deus, é
garantido na Mesa do Senhor, pois “a Santa Ceia é o Sacramento da Palavra de
Deus”.[2] Nada do que fazemos no Sacramento garante algum
proveito, somente a Palavra de Deus é que, de fato, realiza e é o próprio
Sacramento; por isso Sasse afirma, com base em seu estudo sobre a Ceia do
Senhor em Lutero que “a Santa Ceia é Evangelho”.[3]
Partindo deste
pressuposto, de que a Ceia não é um mero rito da Igreja, mas Evangelho, Meio da
Graça que traz o perdão dos pecados aos participantes, Theodore Zahn conclui
que “a Sagrada Comunhão não é uma celebração da sua instituição, mas uma
celebração da redenção de Cristo”,[4] pois é na Obra de Cristo que somos perdoados, visto
que este perdão nos é transmitido por meio do Sacramento do Altar que, assim
como o Batismo, “são meios da graça reais e eficazes em virtude das promessas
divinas que a eles vêm presas, visto que Deus prendeu ao Batismo e a Santa Ceia
a sua graciosa promessa de perdão”.[5]
Na Santa Ceia se
recebe aquilo que o próprio Cristo garantiu com a sua morte na Cruz, a saber, a
remissão dos pecados e consequentemente, vida e salvação eterna.
Na Santa Ceia somos lembrados de forma bem especial desta verdade: dado
e derramado por vós para remissão dos pecados. Mas não só lembrança: ali
recebemos o preço de nossa salvação, o verdadeiro corpo e sangue de Cristo,
para selar o perdão.[6]
Além disto, a
Santa Ceia é o “Sacramento que fortalece a Fé”;[7] por este fato é que a Fórmula de Concórdia afirma que
“A Santa Ceia foi instituída especialmente para os cristãos fracos na Fé,
contudo, penitentes, para consolo e fortalecimento de sua débil Fé”.[8] Em consequência ao Perdão dos pecados, a Ceia dá o
fortalecimento da fé para que o comungante possa viver neste mundo de uma forma
consoladora a sua fé, perdoado de seus pecados.
Por isso, Lutero
declara:
Se sou
pecador, se caí... vou... ao sacramento e tomo de Deus um sinal certo de que a
justiça de Cristo, sua vida e seu sofrimento estão a meu favor juntamente com
todos os santos anjos, com as pessoas bem aventuradas e com todas as pessoas
piedosas sobre a terra. Se tiver que morrer, não estarei sozinho na morte; se
vier a sofrer, eles sofrem junto comigo.[9]
Perdão dos
pecados e, por consequência deste, fortalecimento da fé são os benefícios ou o proveito da Santa Ceia. Com
isto, a questão que fica é: Todos os que vão a Ceia do Senhor recebem estes
benefícios?
A resposta para
a questão levantada acima é “não”. Nem todos os que se aproximam do altar e
participam da Ceia do Senhor recebem os benefícios que o Sacramento confere,
perdão dos pecados e fortalecimento da fé.
Walther, ao
tratar Lei e Evangelho ajuda a entender melhor esta questão:
Fato é
que o Batismo e a Santa Ceia colocam o homem sob juízo, caso ele não se
aproxime deles com fé em seu coração. Eles são Meios da Graça apenas porque aos
sinais externos (água, pão e vinho) está ligada uma promessa de Deus. Tão
somente permitir que se derrame água sobre mim, de nada me aproveitará. Da
mesma forma, de nada me aproveitará comer o pão e beber o vinho consagrados na
Santa Ceia, mesmo que nela eu receba, verdadeiramente, o Corpo e o Sangue do
Senhor. Participar da Santa Ceia sem fé, antes de tudo me será prejudicial,
porque me torno culpado do Corpo e Sangue do Senhor.[10]
Isto remonta ao
mesmo cuidado que a Igreja em seus primeiros anos tivera com os participantes
da Ceia, que dava o Sacramento somente aos batizados que viviam a sua fé de
acordo com a Palavra de Deus; como também foi visto, esta prática
permaneceu na história da Igreja, mas no sentido de manter a Ceia, um
sacrifício, puro de profanações. No entanto, a partir da Reforma,
se buscou resgatar o sentido bíblico do Sacramento do Altar, a saber, Deus
vindo até o homem em carne e sangue, ou seja, um ato de Deus para com o ser humano
e não vice-versa.
O Dr. Martinho
Lutero, a respeito da dignidade na Participação no Sacramento do Altar afirma:
Verdadeiramente
digno e bem preparado é aquele que tem fé nestas palavras: ‘Dado em favor de
vós’ e ‘derramado para remissão dos pecados’. Aquele, porém, que não crê nessas
palavras ou delas duvida é indigno e não está preparado, pois as palavras ‘por
vós’ exigem corações verdadeiramente crentes.[11]
Lutero enfatiza
o “crer” naquilo que se está fazendo, ou seja, crer que de fato o Sacramento é
dado por vós e que ali se recebe o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de
Cristo. Por isso, Kuchenbecker
declara que “quem não o crê, recebe a Cristo
como seu juiz”.[12] Foca-se assim, aquilo que o próprio
Apóstolo disse aos Coríntios:
Aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor, indignamente, será
réu do corpo e sangue do Senhor... Pois quem come e bebe sem discernir o corpo,
come e bebe juízo para si.[13]
Deste modo, a
respeito deste crer e do discernir o corpo para assim não participar da Ceia
indignamente, a Comissão de Teologia da Igreja Luterana – Sínodo de Missouri
responde:
Em
primeiro lugar, discernir o Corpo requer fé que o Verdadeiro Corpo e Sangue de
Cristo são recebidos em, com e sob o pão e o vinho... Em segundo lugar,
discernir o Corpo implica Fé no efeito da Ceia. Fé nas palavras de Cristo é
necessário, e fé nestas palavras é suficiente para uma comunhão digna.[14]
Para reforçar
esta ideia, Mueller declara:
Em geral,
pode-se afirmar que todos os cristãos batizados que se arrependem de coração
dos seus pecados, crêem verdadeiramente em Jesus Cristo, consideram o rito da Santa
Comunhão conforme Cristo o instituiu, são receptivos à instrução em cada ponto
de doutrina e vida, são capazes para se examinar e tem o propósito de corrigir
a sua vida com o auxilio do Espírito Santo, devem ser admitidos à Mesa do
Senhor.[15]
Em resumo, o que
se tem é que todo aquele que crê em Cristo e em sua presença real na Ceia, está
arrependido de seus pecados e tem fé de que no Sacramento irá receber o perdão
dos pecados e o fortalecimento da fé é digno de participar da Santa Comunhão.
Aqueles que não estão de acordo com estes preceitos são considerados indignos e
não recebem os benefícios da Santa Ceia, mas sim o juízo de Deus.
Sobre isto,
Walther atesta que "o que concerne aos comungantes, somente aqueles são
admitidos à Santa Ceia que: 1) são batizados; 2) são aptos a se examinarem; 3)
aos quais não se pode provar não serem eles cristãos ou professarem falsas
crenças e que receberiam, portanto, o sacramento indignamente e 4) nos quais
não se acha motivos para irem primeiro se reconciliar ou restituir bens
roubados (adquiridos injustamente)".[16]
Lutero
simplifica esta questão ao afirmar que “a fé torna a pessoa digna; a dúvida a
torna indigna”.[17]
O resultado da
pesquisa de campo realizado para este trabalho chega à conclusão que aquele que
não se arrepender de seus pecados ou não crer no Santo Sacramento é indigno de
participar da Ceia do Senhor e recebe o Corpo e Sangue de Cristo para juízo,
visto ser este um ato solene, sagrado e que não pode ser usado de qualquer
maneira e de forma relaxada. A partir disto, se percebe uma grande valorização
da preparação, o que em algumas ocasiões precisa ser retrabalhado, visto poder
se tornar o principal para uma participação digna na Ceia, quando na verdade o
essencial, nada mais é do que somente crer na promessa de Cristo.
Na pesquisa de
campo realizada para este trabalho, se constatou que a preparação para ir ao
Sacramento é necessária e determinante para o receber dos benefícios da Santa
Ceia, além disso, segundo os entrevistados, não estar preparado pode significar
a condenação do participante, visto estar recebendo o corpo e o sangue de
Cristo para juízo. Além disto, as formas apontadas para uma boa preparação,
segundo os entrevistados variaram bastante, desde somente crer nas palavras
“dado e derramado em favor de vós” até um “arrependimento sincero dos pecados”,
entre outros.
O Apóstolo Paulo
fala de uma preparação para se receber o Sacramento; quando
exorta aos irmãos da comunidade de Corinto a “se examinarem a si mesmos, e
assim, comerem o pão e beberem o cálice”;[18] deste modo se entende que ir à Ceia do Senhor requer
ao menos um exame de consciência.
A partir disso,
a Igreja sempre se preocupou em instruir aqueles que vão à Mesa do Senhor, a fim
de que ninguém coma e beba o corpo e sangue de Cristo para seu juízo, mas sim,
para receber o proveito que o Sacramento confere, a saber, remissão dos pecados
e fortalecimento da Fé.
Lutero afirma:
Se, pois
queres receber dignamente o Sacramento e testamento, cuida para que tenhas ante
os olhos essas palavras vivas de Cristo (Instituição), nelas te fundamentes com
fé inabalável e desejes o que Cristo nelas te prometeu, assim te será feito,
assim será digno dele e estarás bem preparado.[19]
Por isso,
Walther reflete o assunto, no sentido que ir à Ceia somente para se cumprir um
rito de nada adianta, visto que este participante que assim o faz, não irá
receber os benefícios concedidos neste Sacramento.
O simples
ato de comer o pão com o Corpo de Cristo e beber o vinho com o Sangue de
Cristo, não produz efeito benéfico algum em nós. A Graça não opera química ou
mecanicamente, senão que apenas através da palavra, em virtude do fato de Deus
continuamente dizer: ‘Teus pecados estão perdoados’. A essa palavra devo
apegar-me, na Fé. Se eu proceder assim, então posso, no Último Dia, comparecer
confiantemente diante de Deus.[20]
Walther assim
concorda com Lutero, quando diz que o apegar-se, crer nas palavras “Teus
pecados estão perdoados” é o requisito necessário para uma participação digna
na Ceia do Senhor; ou seja, uma boa preparação para a
participação na Mesa do Senhor é o exame de si próprio para saber se de fato
crer que ali no Sacramento irá receber sob o pão e o vinho, o verdadeiro corpo
e sangue de Cristo, crendo nas palavras do próprio Cristo que isto é “dado por
vós”, assim, então, recebendo do próprio Deus, por meio da Santa Ceia, o perdão
dos pecados.
Deste modo se
entende a preparação como necessária, no entanto, não somente a preparação
individual é importante, mas também o próprio culto prepara o indivíduo para a
Ceia do Senhor.
Além disso,
Weirich afirma que “o culto que não prepara alguém para a Ceia não é um culto
cristão”.[21] Também nesta linha, Wittenberg reafirma o valor do
Credo no culto, onde quem não confessa segundo aquelas palavras que ali estão
sendo proferidas, não deveria participar da Ceia do Senhor.
Todavia,
a presença do credo na missa é uma recusa implícita da Mesa do Senhor a todos
os sectários – desde que sejam honestos e não encarem as declarações confessionais
meramente como poesia religiosa.[22]
Assim, se chega
a mais um ponto importante quando se fala da participação na Santa Ceia,
“Comunhão eclesiástica é em sua essência, comunhão confessional”;[23] visto então ser complicada a participação de uma
pessoa na Santa Ceia em uma Igreja quando ela não concorde com aquilo que
aquela Igreja confessa.
Desta forma, Linden escreve que “a Santa Ceia tem um contexto próprio, ou seja, a igreja
unida pela confissão da mesma fé”.[24]
Continua...
Helvécio J. Batista Júnior
[1] COMISSION ON THEOLOGY
AND CHURCH RELATIONS OF THE LUTHERAN CHURCH – MISSOURI SYNOD. Admission to the Lord’s Supper – Basic
of Biblical and Confessional. St. Louis, MO, 1999. p. 19. “The Lord’s own words
of institution (Matt. 26.28) indicate that the primary benefit of the Eucharist
is the forgiveness of sins” (Tradução do Autor).
[2] VON
ALLMEN, J. J. O Culto Cristão – Teologia
e Prática; 2ª Ed. ASTE,
2006. p. 145.
[3] SASSE. p. 17.
[4] ZAHN, Theodore. Apud.
ELERT, Werner. The Lord’s Supper Today.
Concordia Publishing House. St. Louis and London. 1973. p. 20. “The Church’s
Celebration of Holy Communion is not a celebration commemorating its
institution, but a celebration of the entire Christ-wrought redemption of His
Church as typified in the Jewish Passover”. (Tradução do Autor)
[5] MUELLER,
John Theodore. Dogmática Cristã – Um
Manual Sistemático dos Ensinos Bíblicos. Traduzido por Martinho L. Hasse.
Ed. Concórdia, Porto Alegre – RS; Ed. Ulbra, Canoas – RS; 2004. p. 420.
[6]
KUCHENBECKER, Horst. Sacramento do Altar: Convidados. In. Igreja Luterana,
2004/02. Seminário
Concórdia, São Leopoldo – RS – Volume 63. p. 351.
[7] MUELLER.
p. 476.
[8]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580;
Fórmula de Concórdia, 1577. p. 521.
[9] LUTERO,
Martinho. Um Sermão sobre o Santo, Venerabilíssimo Sacramento do Batismo. In Obras Selecionadas. Vol I. Ed.
Concórdia, Porto Alegre, RS. Ed. Sinodal, São Leopoldo, RS. 1987. p. 431.
[10] WALTHER,
C. F. W. – A Correta Distinção entre Lei
e Evangelho; Edição Completa. Traduzido por Marie Luize Heimann. Ed. Concórdia, Porto Alegre – RS e Ed. Ulbra,
Canoas – RS; 2005. p. 301.
[11]
LIVRO DE CONCÓRDIA – As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana, 1580. Catecismo Menor de Martinho Lutero, 1529. p. 379
[12] KUCHENBECKER,
Horst. Sacramento do Altar: Convidados. In. Igreja Luterana,
2004/02.
Seminário Concórdia, São Leopoldo – RS – Volume 63. p.184
[13] 1Coríntios 11. 27 e
29.
[14] COMISSION ON THEOLOGY
AND CHURCH RELATIONS OF THE LUTHERAN CHURCH – MISSOURI SYNOD. Admission to the Lord’s Supper – Basic
of Biblical and Confessional. St. Louis, MO, 1999. p. 19, 32. “First,
discerning the body requires faith that Christ’s true body and blood are
received in, with, and under the Eucharistic bread and wine. Second, discerning
the body implies faith in and desire for the effects of the Lord’s Supper…
Faith in these words is necessary, and faith in these words is sufficient for
an individual to commune worthily” (Tradução do Autor).
[15] MUELLER.
p. 503 – 504.
[16] WALTHER,
Carl F. W. Teologia Pastoral. Traduzido
por Horst Kuchenbecker. 2011. p. 109.
[17] LUTERO,
Martinho. Um Sermão sobre a Preparação para a Morte. Tradução de Annemarie Hohn
e Luís M. Sander. In Obras Selecionadas.
Vol I. Ed. Concórdia, Porto Alegre, RS. Ed. Sinodal, São Leopoldo, RS.
1987. p. 394.
[18]
1Corintios 11. 28.
[19] LUTERO,
Martinho. Um Sermão sobre o novo testamento, isto é, a respeito da Santa Missa,
1520. In Obras Selecionadas. Vol II.
Ed. Concórdia, Porto Alegre, RS. Ed. Sinodal, São Leopoldo, RS. 1989. p. 261.
[20] WALTHER.
p. 302.
[21] Anotação
feita na aula de Homilética II, no Seminário Concórdia, com o Prof. Paulo P.
Weirich em 19 de Abril de 2012.
[22] WITTENBERG, Martin. Comunhão
Eclesiástica e Comunhão de Altar a luz da História da Igreja. Traduzido ao
inglês por John Bruss. Traduzido ao Português por Eugenio Dauernheimer. Canoas
– RS, 2005. p. 03.
[23] WITTENBERG, Martin. Comunhão
Eclesiástica e Comunhão de Altar a luz da História da Igreja. Traduzido ao
inglês por John Bruss. Traduzido ao Português por Eugenio Dauernheimer. Canoas
– RS, 2005.
[24] LINDEN,
Gerson L. Aspectos quanto a administração da Santa Ceia. In Revista Igreja Luterana. 2001/1. Vol.
60. Seminário Concórdia, São Leopoldo, RS. p. 05.
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