sexta-feira, 14 de junho de 2013

O SACRAMENTO DO ALTAR (Parte V)

A SANTA CEIA NA IDADE MÉDIA


 

O Sacramento do Altar, apesar de ser um assunto de grande importância no cristianismo, foi apenas uma vez tratado em um Concílio Ecumênico, a saber, na decisão do Sínodo de 787 (Niceia II), que ao reconhecer a veneração a imagens, rejeita a resolução do Sínodo de 754, onde foi decidido que na Igreja não haveria outra imagem de Cristo, além dos elementos da ceia; dessa forma, como ressalta Sasse, “ a decisão de 787 pressupunha a doutrina, e assim se entendeu em toda a parte que o pão e vinho consagrados não são imagens ou símbolos, mas o verdadeiro corpo e sangue de Cristo”.[1]
Já no credo de 1215, dirigido contra os albigenses e outros heréticos, temos a seguinte afirmação:

Há uma única Igreja Universal de fiéis, fora da qual ninguém é salvo. Nessa Igreja, o próprio Cristo é sarcedote e sacrifício, cujo corpo e sangue estão realmente contidos no Sacramento do Altar sob as espécies do pão e do vinho.[2]

 

Aqui já se tem um grande destaque quanto ao sacrifício da missa, que foi bastante difundido na Igreja durante toda a Idade Média.
É também aqui, no próprio período da Idade Média, onde, a partir da doutrina desenvolvida por Radberto e posteriormente ampliada por Tomás de Aquino se chega ao ano de 1079 quando a Igreja define o dogma da Presença Real de Cristo na Santa Ceia, e a forma como se deve entender isto, como transubstanciação, se dá no Concílio de 1215, estabelecida pelo Papa Inocêncio III.[3]
Radberto, após um longo estudo constatou que após a consagração existe apenas o corpo e o sangue, embora sob a forma de pão e vinho; e esta mudança, ocorre pelo poder da Palavra. Com isso Radberto chegou a constatar que o que é percebido externamente é figura ou marca, mas o que é percebido internamente é realidade perfeita, ou seja, ele não rejeitou a teoria agostiniana, apenas a reformulou e a colocou em uma posição não definitiva, mas como pressuposto para se entender a Ceia. Radberto sofreu muitas contestações em sua vida, no entanto, foram estas ideias que, em sua maior parte, formaram a base da teoria da Ceia do Senhor que predominou na Idade Média, colocando a posição agostiniana de lado e construindo a doutrina da Transubstanciação.[4]

Isto, porque, como foi visto anteriormente, a crença na presença real era bastante forte em toda a igreja, no entanto, como essa presença se dava, pouco foi discutido, o que então, acabou acontecendo no início do novo milênio com as decisões citadas acima.
Algo que se deve ressaltar a partir dessas definições é o fato de que do século XI em diante o sarcedote tinha um poder e prestígio muito maior que anteriormente e com isso dois dos sacramentos adotados pela Igreja até então sofreram um impacto bastante forte, o Sacramento do Altar e o Sacramento da Penitência.
Por exemplo, uma das primeiras ordens foi a confissão pascal para todos os cristãos, isto é, agora a participação na Ceia estava condicionada a uma confissão, seguida de uma penitência; somente assim o cristão seria digno ou não de participar do Sacramento. Apesar disso se manteve a doutrina da presença real intacta, apenas com o acréscimo do fato de que no pão consagrado, o corpo de Cristo está presente, tanto a carne quanto o sangue do Senhor.

Assim, como uma forma de não se profanar o sangue de Cristo com derramamento e outras coisas que poderiam acontecer durante a distribuição do mesmo se adotou a prática da Concomitância, onde os leigos recebiam apenas uma espécie na Santa Ceia, a saber, o pão consagrado.
Quanto a isso, por exemplo, Robert Rosin destaca que “ a maneira mais fácil que se encontrou para argumentar sobre a concomitância era o fato de se entender que onde há corpo, há de haver também sangue”.[5] Ou seja, a doutrina da concomitância foi algo simples de se entender e por isso fácil de ser aceito na Igreja, também para os leigos, que não se sentiam bem na Ceia por medo de derramar o sangue de Cristo e assim profanar o sacramento.
Além disso, o caráter sacrificial da missa prevaleceu no fim da Idade Média, até pelo fato deste prestígio dado ao sarcedote anteriormente, agora o colocara no direito de ele oferecer a Deus os sacrifícios da Eucaristia pelo povo.

Este fato foi determinante para a queda de participação no sacramento, visto que o Sarcedote poderia oferecer o sacrifício pelo povo, então este não precisava estar presente durante o mesmo, pois já seriam recompensados pelo que o sarcedote havia feito. Com isso, o que a Igreja realmente fez, foi abandonar o “sola gratia” e o “sola fide” da Escritura condicionando a Salvação e o valor dos meios da graça há uma colaboração do homem para com Deus.[6]
No entanto, a Igreja começou a sofrer fortes contestações a respeito de sua doutrina sobre a Santa Ceia, e aqui se destaca João Wiclif, que afirmava que qualquer tipo de transubstanciação ia contra a razão, os pais da Igreja e a própria Escritura, como ele mesmo afirma em suas teses, que Sasse traz:
A presença real não é a presença do verdadeiro corpo e do verdadeiro sangue de Cristo. A hóstia consagrada não é nem Cristo nem qualquer parte dele, mas um sinal eficiente dele... A Eucaristia contem verdadeira e realmente corpo e sangue de Cristo, mas essa presença real deve ser entendida como presença sacramental... Assim, nenhum descrente pode recebê-lo.[7]
 

Outro conflito, como Sasse relata, foi a questão sobre a participação na Santa Ceia; de um lado, havia a convicção de que o cristão deveria receber o sacramento com a maior frequência possível (Visto a obra meritória que isso exercia na vida do crente, diante de Deus e sua salvação), até mesmo as crianças recém-batizadas recebiam ao menos um pouco do vinho consagrado. No entanto, do outro lado, se exigia preparo profundo a fim de se evitar uma participação indigna do sacramento.[8]
A Idade Média realmente foi um período turbulento na história da Igreja e, como não poderia deixar de ser, chegou também ao Sacramento do Altar. Assim estava o Cristianismo quando eclodiu na Europa a Reforma, que mudaria os rumos da Igreja.
 
 
Continua...
Helvécio José Batista Júnior
 



[1] SASSE. p. 26 – 27.
[2] SASSE. p. 29.
[3] MARTINS, Raphael G. Estará Certo – O Sacramento da Eucaristia?. Ed. Independente. São Paulo, SP. 1962. p. 78 – 84.
[4] Cf. HAGGLUND. p. 131 – 133.
[5] ROSIN, Robert. Lutero, a Santa Ceia e Roma. In. BUSS. Paulo W. (Organizador). Comunhão e Separação no Altar do Senhor. 2º Simpósio Internacional de Lutero. Ed. Concórdia, Porto Alegre, RS. 2009. p. 20.
[6] Cf. SASSE. p. 28 – 32.
[7] SASSE. p. 55.
[8] SASSE. p. 60.

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