O Sacramento do
Altar, apesar de ser um assunto de grande importância no cristianismo, foi
apenas uma vez tratado em um Concílio Ecumênico, a saber, na decisão do Sínodo
de 787 (Niceia II), que ao reconhecer a veneração a imagens, rejeita a
resolução do Sínodo de 754, onde foi decidido que na Igreja não haveria outra
imagem de Cristo, além dos elementos da ceia; dessa forma, como ressalta Sasse,
“ a decisão de 787 pressupunha a doutrina, e assim se entendeu em toda a parte
que o pão e vinho consagrados não são imagens ou símbolos, mas o verdadeiro
corpo e sangue de Cristo”.[1]
Já no credo de
1215, dirigido contra os albigenses e outros heréticos, temos a seguinte
afirmação:
Há uma
única Igreja Universal de fiéis, fora da qual ninguém é salvo. Nessa Igreja, o
próprio Cristo é sarcedote e sacrifício, cujo corpo e sangue estão realmente
contidos no Sacramento do Altar sob as espécies do pão e do vinho.[2]
Aqui já se tem
um grande destaque quanto ao sacrifício da missa, que foi bastante difundido na
Igreja durante toda a Idade Média.
É também aqui,
no próprio período da Idade Média, onde, a partir da doutrina desenvolvida por
Radberto e posteriormente ampliada por Tomás de Aquino se chega ao ano de 1079
quando a Igreja define o dogma da Presença Real de Cristo na Santa Ceia, e a
forma como se deve entender isto, como transubstanciação, se dá no Concílio de
1215, estabelecida pelo Papa Inocêncio III.[3]
Radberto, após
um longo estudo constatou que após a consagração existe apenas o corpo e o
sangue, embora sob a forma de pão e vinho; e esta mudança, ocorre pelo poder da
Palavra. Com isso Radberto chegou a constatar que o que é percebido
externamente é figura ou marca, mas o que é percebido internamente é realidade
perfeita, ou seja, ele não rejeitou a teoria agostiniana, apenas a reformulou e
a colocou em uma posição não definitiva, mas como pressuposto para se entender
a Ceia. Radberto sofreu muitas contestações em sua vida, no entanto, foram
estas ideias que, em sua maior parte, formaram a base da teoria da Ceia do
Senhor que predominou na Idade Média, colocando a posição agostiniana de lado e
construindo a doutrina da Transubstanciação.[4]
Isto, porque,
como foi visto anteriormente, a crença na presença real era bastante forte em
toda a igreja, no entanto, como essa presença se dava, pouco foi discutido, o
que então, acabou acontecendo no início do novo milênio com as decisões citadas
acima.
Algo que se deve
ressaltar a partir dessas definições é o fato de que do século XI em diante o
sarcedote tinha um poder e prestígio muito maior que anteriormente e com isso
dois dos sacramentos adotados pela Igreja até então sofreram um impacto
bastante forte, o Sacramento do Altar e o Sacramento da Penitência.
Por exemplo, uma
das primeiras ordens foi a confissão pascal para todos os cristãos, isto é,
agora a participação na Ceia estava condicionada a uma confissão, seguida de
uma penitência; somente assim o cristão seria digno ou não de participar do
Sacramento. Apesar disso se manteve a doutrina da presença real intacta, apenas
com o acréscimo do fato de que no pão consagrado, o corpo de Cristo está
presente, tanto a carne quanto o sangue do Senhor.
Assim, como uma
forma de não se profanar o sangue de Cristo com derramamento e outras coisas
que poderiam acontecer durante a distribuição do mesmo se adotou a prática da Concomitância,
onde os leigos recebiam apenas uma espécie na Santa Ceia, a saber, o pão
consagrado.
Quanto a isso,
por exemplo, Robert Rosin destaca que “ a maneira mais fácil que se encontrou
para argumentar sobre a concomitância era o fato de se entender que onde há
corpo, há de haver também sangue”.[5] Ou seja, a doutrina da concomitância foi algo simples
de se entender e por isso fácil de ser aceito na Igreja, também para os leigos,
que não se sentiam bem na Ceia por medo de derramar o sangue de Cristo e assim
profanar o sacramento.
Além disso, o
caráter sacrificial da missa prevaleceu no fim da Idade Média, até pelo fato
deste prestígio dado ao sarcedote anteriormente, agora o colocara no direito de
ele oferecer a Deus os sacrifícios da Eucaristia pelo povo.
Este fato foi
determinante para a queda de participação no sacramento, visto que o Sarcedote
poderia oferecer o sacrifício pelo povo, então este não precisava estar
presente durante o mesmo, pois já seriam recompensados pelo que o sarcedote
havia feito. Com isso, o que a Igreja realmente fez, foi abandonar o “sola
gratia” e o “sola fide” da Escritura condicionando a Salvação e o valor dos
meios da graça há uma colaboração do homem para com Deus.[6]
No entanto, a
Igreja começou a sofrer fortes contestações a respeito de sua doutrina sobre a
Santa Ceia, e aqui se destaca João Wiclif, que afirmava que qualquer tipo de
transubstanciação ia contra a razão, os pais da Igreja e a própria Escritura,
como ele mesmo afirma em suas teses, que Sasse traz:
A presença
real não é a presença do verdadeiro corpo e do verdadeiro sangue de Cristo. A
hóstia consagrada não é nem Cristo nem qualquer parte dele, mas um sinal
eficiente dele... A Eucaristia contem verdadeira e realmente corpo e sangue de
Cristo, mas essa presença real deve ser entendida como presença sacramental...
Assim, nenhum descrente pode recebê-lo.[7]
Outro conflito,
como Sasse relata, foi a questão sobre a participação na Santa Ceia; de um
lado, havia a convicção de que o cristão deveria receber o sacramento com a
maior frequência possível (Visto a obra meritória que isso exercia na vida do
crente, diante de Deus e sua salvação), até mesmo as crianças recém-batizadas
recebiam ao menos um pouco do vinho consagrado. No entanto, do outro lado, se
exigia preparo profundo a fim de se evitar uma participação indigna do
sacramento.[8]
A Idade Média realmente
foi um período turbulento na história da Igreja e, como não poderia deixar de
ser, chegou também ao Sacramento do Altar. Assim estava o Cristianismo quando eclodiu
na Europa a Reforma, que mudaria os rumos da Igreja.
Continua...
Helvécio José Batista Júnior
[1] SASSE. p.
26 – 27.
[2] SASSE. p.
29.
[3] MARTINS,
Raphael G. Estará Certo – O Sacramento
da Eucaristia?. Ed. Independente. São Paulo, SP. 1962. p. 78 – 84.
[4] Cf.
HAGGLUND. p. 131 – 133.
[5] ROSIN,
Robert. Lutero, a Santa Ceia e Roma. In. BUSS. Paulo W. (Organizador). Comunhão e Separação no Altar do Senhor.
2º Simpósio Internacional de Lutero. Ed. Concórdia, Porto Alegre, RS. 2009. p.
20.
[6] Cf.
SASSE. p. 28 – 32.
[7] SASSE. p.
55.
[8] SASSE. p.
60.
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